Quantas vezes essa bagaça foi acessada por engano

quinta-feira, 5 de abril de 2018

Ciclo Viagem Caminho de Cora


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Além de gratuidade, esperança e medo, podemos inferir também que os sonhos e os desafios fazem as criaturas se moverem de suas zonas de pleno conforto rumo ao desconhecido em busca de sentimentos nobres que as aproximem de Deuses de um Olimpo assaz modesto e desglamourizado. Olimpo esse no centro de um universo de batalhas psíquicas onde duelam ego, Id, self e a imagem que construímos a partir da percepção dos outros. O esporte é geralmente o palco mais honesto e politicamente correto para incitar esse espírito belicista que habita a superfície de todos nós. Muitos são os propósitos que impelem humanoides a se desafiarem em atividades de risco e de extremo desgaste físico. Dentre os propósitos e ou motivos que me ocorrem agora, podem estar a fama meteórica, status, coragem, determinação, dinheiro, reconhecimento, apreço pelo risco, notoriedade, vazio interior, ócio, autoafirmação, exposição exacerbada em redes sociais, falta de opção, contato com a natureza, autoengano, carência, etc. Não importa... O seu motivo é autossuficiente para movê-lo adiante e sempre que precisa encontra um arcabouço de justificativas pra lá de convincentes para mantê-lo vivo. E não se busca aqui fazer absolutamente nenhum juízo de valores, já que todos temos buracos de autoestima que precisam frequentemente serem preenchidos. Diferentemente do gato ou do pombo, que vivem de uma única forma suas existências sem improvisos e adequações aos solavancos da vida, nós, seres humanos, criamos, modificamos e reconstruimos nosso destino com a prerrogativa do livre arbítrio a cada instante. Por isso, quem está magro pode engordar, quem é obeso pode fazer uma cirurgia bariátrica e ficar esbelto em tempo recorde, homens se tornam mulheres e vice-versa, seios pequenos são multiplicados por 5 mediante doses generosas de silicone, peitos gigantes são lipoaspirados para perder volume, negros se tornam brancos, brancos se escurecem, cabelos lisos são anelados com o uso de produtos químicos e os crespos ficam lisos na presença de milagrosas chapinhas. E assim o homem (e a mulher também) vai modificando cenários para que estes façam sentido à sua existência. E a obsessão em superar seus próprios limites faz dos humanos uma espécie interessante, pois mesmo com plena consciência de seu fim, luta desesperadamente para manter-se vivo em uma vida onde a morte pode chegar a qualquer momento. Nesse contexto filosófico que beira a insanidade mental, duas agremiações ciclo esportivas de peso se uniram em uma joint venture sem precedentes para viabilizar um mega ultra passeio ciclístico intermunicipal denominado “Desafio de Cora”:  Os Pedreiros da Montanha, agremiação ciclo-gastronômica-festiva tradicional sem fins lucrativos da alta casta goianiense e “Os Katrakas”, outra agremiação ciclo esportiva de altíssimo nível moral e cultural onde valores como irmandade, lealdade e espírito de grupo predominam. Aos dois grupos juntaram-se alguns intrépidos ciclistas que conferiram mais bravura ao desafio.

O Caminho de Cora, objeto desafiador da fusão das agremiações, foi idealizado seguindo o modelo do Caminho de Santiago, na Espanha.
Com 282 quilômetros, a trilha repete o percurso usado pelos bandeirantes há centenas de anos. Entre paisagens do cerrado, o viajante passa por belas residências dos séculos 18 e 19, ruínas de antigas lavras de ouro, fazendas e cidades histórias. As casas próximas ao trajeto são habitadas, em geral, por trabalhadores da região.
O Caminho começa por Corumbá de Goiás e termina na cidade de Goiás, antiga capital e local de nascimento da poetisa que deu nome à trilha. Passa ainda por outras cidades históricas, como Pirenópolis, Jaraguá, Itaguari e Itaberaí. Teoricamente em todos os sete municípios do trajeto há locais para hospedagem e infraestrutura de apoio aos ciclo viajantes, especialmente nas cidades maiores. Teoricamente... Falaremos mais sobre isso adiante.
Devemos aqui prestar uma singela homenagem ao ciclo ativista Rômulo Augusto, calvo pioneiro de Goiânia, que desde o início de 2018 vem incentivando e promovendo encontros festivos com consumos exagerados de barbitúricos e álcool em prol da tal ciclo viagem. Autor de ideias brilhantes e auspiciosas, bem como projetos de engenharia refinada, desenvolveu um sofisticado sistema de alforjes bélicos de alta durabilidade e robustez baseados em arcabouços plásticos para acondicionamento de dejetos orgânicos. Em função de falhas estruturais detectadas durante um rigoroso teste em laboratório de provas, resolveu abortar momentaneamente o projeto e decidiu pela confecção de alforjes convencionais de tecido, os quais o acompanharam durante todo o percurso.
Após uma rotina extenuante de treinos durante cerca de 60 dias, finalmente o grupo sentiu-se pronto e confiante para iniciar o desafio mais longo e difícil de sua história.
Idealizado para cobrir os 282 km em 3 dias, o passeio teve como ponto de partida a pacata Corumbá e como destino a histórica cidade de Goiás, passando por diversos vilarejos e povoados, com previsão de pernoite em São Francisco e Itaguari. Catorze eram os inscritos para iniciar a epopeia: Rômulo, Rosinha, Gastão, Marcelo Dotô, Junão Betoneira, Carlos Júnior Glick, Wilson Tiradentes, Pink x (Alyne + Leo), Wislei, Daniel, Guila, Fred e Zander. A expectativa era que mais 2 bicicleteiros se juntassem ao grupo principal no último dia (Davi Fanfarrão e Thiago).
Muitos(as) foram os(as) críticos(as) do projeto, alegando por pura inveja e/ou mau agouro tratar-se de uma insanidade executar uma ciclo viagem de aventura de tamanha magnitude sem veículo de apoio. Afinal, caso ocorresse alguma intercorrência que abalasse a integridade física de nossos heróis ou um problema técnico nos equipamentos, todo o grupo poderia ser penalizado, podendo inclusive os enfermos correrem o risco de terem suas vidas ceifadas pela total inoperância de auxílio médico em tempo hábil devido às condições inóspitas de determinados pontos do percurso. Confiança extrema no pai celestial, falta de discernimento cognitivo, excesso de burrice e pitadas de negligência nos deram o impulso suficiente para ignorar os tais críticos e partir.
A van que nos levaria a Corumbá, e que partiria impreterivelmente às 5h, saiu pontualmente atrasada do Alphamall às 5:35h, levando, além de seus folclóricos atletas, uma carreta com as 14 bikes semi-desmontadas rumo ao nosso destino.
Iniciaremos agora o relato da ciclo viagem com imparcialidade e isenção.
Após um café da manhã nada civilizado em Corumbá, os bárbaros que minutos antes rosnavam e se estapeavam por pães com ovos e copos de café, iniciaram pacatamente a romaria com destino inicial a Pirenópolis, onde um novo lanche seria realizado para reposição das energias. Sem intercorrências e com belo visual, os 14 ciclistas venceram sem dificuldades o percurso.
Pirenópolis está incrustada nas profundezas de uma cratera e para sair de lá não existem alternativas senão subir. O sol já maltratava sadicamente as carcaças ainda preservadas dos nossos heróis quando pegamos o caminho rumo ao retiro de satanás, também conhecido como morro de Caxambu, uma aberração topográfica hostil que também empresta seu nome a um vilarejo nas imediações. Seguindo a trilha pelo GPS, que provavelmente foi mapeada por um empresário do segmento funerário, fomos induzidos a entrar erroneamente no meio de um pasto que então nos conduziu a uma mata fechada que levou nossas forças. Alguma boa alma satânica conseguiu encontrar a trilha demarcada em direção ao morro de Caxambu. Pense num desconforto medonho subindo esse morro empurrando bikes pesadas e com sérias restrições de hidratação. Se subir já foi difícil, descer era a própria cena do inferno, pois o terreno muito íngreme e acidentado não permitia que nos mantivéssemos em cima das bikes. Confesso que esse foi um ponto importante de desestabilização psicológica. Depois de superarmos a protuberância demoníaca encontramos a fazenda do Sr. Quinzin, que gentilmente nos esperava para o almoço mediante contraprestação financeira de Vintin reais. A exótica galinhada servida fora carinhosamente preparada com cortes assimétricos de galináceos pré-cambrianos contendo pé, rabo, pescoço, unha, coluna, bico e costela. Com a fome e o esgotamento, tudo estava bom. Como não havia água potável para encher as mochilas e garrafas, partimos rumo a Caxambu na esperança de encontrar o líquido precioso. De fato, encontramos... Haviam duas (eu disse duas) garrafas de 500ml geladas na venda. Água quente com sede é pra zerar os estoques de Caryocar brasiliense de um importante estado da região centro oeste (cabá com os pequi do Goiás), mas ainda assim bem melhor que morrer queimado.
A próxima cidade do roteiro era Radiolândia e depois, finalmente, São Francisco, onde repousaríamos as carcaças deterioradas. E os problemas continuaram...
A princípio, a partir de Radiolândia, onde fizemos uma pequena pausa para hidratação, lanche e comunicação com o mundo através da utilização do wifi do mercado local, seriam mais 22 km (uma Juriti) para chegar ao destino do dia. A impressão é que estávamos girando no rolo, pois depois de rodar uns 15 km ainda tínhamos os mesmos 22 km para chegar a SF. Rodamos mais uns 12 km e segundo o GPS seriam apenas mais 20 km para chegar. E isso ia se repetindo com frequência... A esse ponto o bom humor do grupo já havia acabado por causa da falta de água, do esgotamento físico e das incertezas acerca da chegada. Chegamos às suntuosas instalações que nos acolheria em SF por volte de 22h. Uma superfície horizontal para repousar o casco, uma boa noite de sono e um marmitex robusto era só o que queríamos. Rômulo Augusto já havia feito o serviço de concierge e reservado as acomodações de acordo com o nível de luxo que cada um gostaria de ter. Eu e Doc solicitamos a suíte presidencial plus, que diferia da master por oferecer aos seus ocupantes cama, banheiro, uma extensão de tomada e uma cadeira de plástico amarela. No banheiro, sem box e com louças da segunda metade da era vitoriana, me chamou a atenção um sabonete surrado de coloração verde com muito mais cabelos que Rômulo Augusto. Parecia ser uma espécie de amuleto usado pelos viajantes astecas que pernoitavam naquele dormitório em épocas longínquas. Achamos prudente deixá-lo intacto por medo da possibilidade de invocação de entidades demoníacas de alto índice de macabricidade. O chuveiro dispunha de 4 posições: "verão", “Labaredas de Lúcifer”, "Cuiabá" e "Kombi lotada às 15:25h em meados de setembro em Araraguaína - TO". Optei pela posição verão, tendo sido agraciado com flocos finos de neve desidratada. Doc, assado até a tampa, tomou banho de caneco em cima do andador e quase perdeu o jantar. Em seguida nos encontramos no restaurante da estalagem para desfrutar de um poderoso marmitex carinhosamente preparado pela sempre sorridente e simpática dona Edi, a proprietária do estabelecimento. Derrubamos com desenvoltura a cisterna de comida e aqui cabe uma homenagem ao nosso querido Junão Betoneira, que não satisfeito por comer até o alumínio de sua marmita, ainda arrematou restos de terceiros que repousavam pela mesa, provocando a ira dos cachorros de rua que já se reuniam por ali na esperança de alguma sobra de alimento.
Já decididos por não mais continuar a aventura sem noção, Eu, Rosinha e Doc partimos no dia seguinte rumo a Goiânia. No momento em que avistamos o carro de Elvira, minha caríssima cunhada que veio nos salvar, nos abraçamos aliviados em prantos de tamanha emoção.
No segundo dia, as 8:37h, partiram os remanescentes rumo a Itaguari, onde se juntariam aos janelinhas Thiago e Davi para continuarem a saga ciclo turística. Ainda pela manhã o grupo acabou se perdendo em um matagal nas imediações de Jaraguá e novamente os integrantes questionaram-se sobre a continuidade da caravana. Seguiram pelo asfalto e chegaram a Jaraguá. Ali chegando, o sempre solícito Leo Pink (que faz absoluta questão de nunca deixar ninguém para trás) teve fadiga generalizada e teve que ser socorrido pelos demais ciclistas. Ficaram todos no posto em Jaraguá por quase uma hora até o completo restabelecimento de forças do incauto atleta e, como forma de retribuição, Leo disparou na frente deixando todos para trás, numa demonstração clara de espírito de grupo e altruísmo, valores tanto enfatizados na preleção do dia anterior ainda dentro da van. Outros pequenos contratempos no percurso não tiraram o brilho daquele dia ensolarado, que terminou na pensão em Itaguari como muita conversa fiada e 389 cervejas, já na companhia de Thiago, Davi, Renata e Rosinha.... Sim, Rosinéia voltou para prestigiar a procissão e consumir álcool (não necessariamente nessa ordem).
No terceiro dia Davi pedalou singelos 10 km e teve problemas técnicos em sua bicicleta e foi forçado a voltar. Totó, que estava nas imediações da cidade participando de um evento na fazenda de Caras, o acolheu na propriedade, lá permanecendo até minutos antes da chegada dos ciclo turistas na cidade de Goiás.
Apesar dos riscos inerentes à atividade e a total falta de suporte, a ciclo viagem foi um sucesso e certamente deixou seu idealizador Rômulo de alma lavada. Parabéns a ele pela determinação e liderança à frente da organização. Da próxima vez sugiro fortemente que um veículo de apoio seja incluído no planejamento visando resguardar a integridade física dos aventureiros. Parabéns especial também àqueles que completaram os 3 dias de viagem pela bravura, coragem, determinação e força de vontade.
Faço aqui uma menção honrosa sem ironias ao amigo Katraka Guila, que simbolizou na viagem a essência do espírito de grupo, cuidado e proteção com a coletividade em detrimento das próprias satisfações. É a colocação em prática, em situações críticas, do altruísmo de Jesus de Nazaré, extremamente simbólico e emblemático para uma aventura que terminou na véspera da Páscoa. É claro que essas características foram predominantes no grupo, mas alguns naturalmente se destacaram.
Ressalto aqui também meu mais sincero sentimento de gratidão em poder contar sempre com amigos tão especiais nessa curta jornada de vida.
  
Bikers reunidos. Nesse momento só felicidade

Tiradentes passando os "côco" em RA




Almoço na fazenda do Sr. Quinzin











Clima de desolação durante o almoço



Glick após devorar 3 pratadas. Homem jibóia



Desistentes



Só colocou roupa pra foto. Pedalou porra nenhuma

Veículo de socorro




Bike do Totó muito suja por causa do extremo uso

Orgulho de ser Katraka


Como estragar uma paisagem




Sr. Quinzin, que queria cobrar Trintin a acabamos pagando Vintin


Tiradentes

Aguardando o socorro

Senhorita Pink


Saída de Itaguari

Fanfarrão Davi, Rosinha e Renata em Itaguari

Mestre Guila


Momento pornô da ciclo viagem



Ciclistas que não pedalam na fazenda de Caras

Thiagão

Quem é esse biker que não me lembro?

Leo Pink sentando a madeira


Zander destruindo uma pratada


Junão Betoneira

Momento de descontração em Goiás




Casal formado na viagem